Sunday, October 15, 2006

Handel: Rinaldo, HWV 7a

Georg Friedrich Handel (1685-1759)
Rinaldo, opera seria in tre atti

Rinaldo: Vivica Genaux, mezzo-soprano
Almirena: Miah Persson, soprano
Armida: Inga Kalna, soprano
Argante: James Rutherford, baixo
Goffredo: Lawrence Zazzo, contra-tenor
Eustazio: Christophe Dumaux, contra-tenor
Mago cristiano: Dominique Visse, contra-tenor
Freiburger Barockorchester
René Jacobs

HMC901796.98 - Harmonia Mundi


inaldo, escrita em 1711, foi a primeira ópera de Handel composta para Londres, tendo sua estréia no dia 24 de março do mesmo ano, no Queen’s Theatre, Haymarket. Possui libreto de Giacomo Rossi e Aaron Hill sobre o poema épico Gerusalemme Liberata (Jerusalém Libertada) de Torquato Tasso (1544-1595). Handel reformulou sensivelmente Rinaldo, com uma nova versão de 1731, reescrevendo grande parte do papel de Almirena, atenuando exuberâncias e preterindo personagens de menor importância, além de modificar o fim da ópera, dando um novo destino a Argante e Armida. A gravação em questão utiliza a versão de 1711.
história se passa durante a primeira Cruzada, durante o cerco do exército cristão, liderado por Goffredo, à cidade Jerusalém, sob domínio muçulmano. Goffredo promete ao herói Rinaldo a mão de sua filha Almirena, assim que a cidade for tomada. Armida, rainha de Damasco, amante de Argante, rei de Jerusalém, tem para si a revelação de espíritos que a vitória do exército invasor dependerá da participação de Rinaldo na campanha, o que dá início a seu esforço para retirar o cavaleiro cristão dos campos de batalha. Para isso, ela sequestra Almirena, fator sobre o qual se desenrolará a trama.
ssim como Aaron Hill, que apresentou exóticos efeitos de palco para Rinaldo, como ao utilizar uma “máquina voadora”, e excentricidade durante a apresentação ao soltar pássaros sobre a platéia, René Jacobs insere curiosos elementos representativos nesta gravação. Apesar de serem desnecessários, uma vez que o libreto dá a possibilidade de visualização através de descrições em cenas específicas, tais elementos contribuem para uma maior imersão na realidade da obra, tornando-a mais presente e vívida. No começo da ária “Augelletti”, de Almirena, há o silvo de um pássaro; durante o último recitativo do segundo ato, entre Armida e Argante, há momentos de tensão que, no palco, seriam representados por longas pausas, para isso Jacobs insere um estranho som, grave, com o intuito de representar o “silêncio”, que não seria conveniente numa gravação de estúdio.
ené Jacobs utiliza um baixo contínuo um tanto quanto adornado ao adicionar um órgão de câmara e uma harpa à formação usual composta pelo cravo, violoncelo e alaúde. Esta formação era perfeitamente possível de ser realizada na época de Rinaldo, mas devido ao alto custo, daquela época, de reunir castrato’s e prima donnas, essa rica constituição de baixo contínuo era uma exceção. Enquanto a harpa no século XVIII era uma opção de exotismo ou de caráter celestial dentro da formação, Jacobs adota o órgão, que no contínuo deve ser tocado com rigorosa discrição, entendendo-o como indispensável nessa ópera de temática religiosa cristã.
responsabilidade do papel-título, personagem que canta momentos de tristeza, vingança e ímpeto guerreiro, ficou para Vivica Genaux. Um papel que é, em si, um turbilhão de sentimentos, acaba por exigir uma voz bastante versátil, e, apesar da técnica incontestável e da competentíssima interpretação da mezzo-soprano americana, sua voz nem sempre se adapta perfeitamente ao contexto de determinadas árias, fazendo sua participação ser irregular. É necessário frisar que o termo “irregular” nessa gravação de Rinaldo está longe de indicar alternâncias abruptas entre o bom e o desleixado, mas sim difere grandes momentos de trechos nem tão inspirados. Genaux não consegue brilho para acompanhar o furioso toque da orquestra nas árias heróicas, como em “Or la tromba” (Ato 3, Cena 9), momento belicoso do herói cristão, em que Rinaldo canta sua sede por glória e sua paixão, apesar de ótima dinâmica. Mesma situação que ocorre na ária “Venti, turbini” (Ato 1, Cena 9), quando Rinaldo clama por forças para sua vingança. A cantora não consegue inspirar o mais valoroso guerreiro de todo um exército e trunfo para a vitória, talvez porque sua voz possa ser classificada como um pouco nasalada, o que a faz se tornar mais branda e doce. Se isso prejudica de um lado, nos momentos de ternura do personagem torna-se um fator relevante. A ária “Cara sposa” (Ato 1, Cena 7) cabe perfeitamente na voz de Genaux, que mostra, com doçura e perfeição, um herói angustiado pela falta de sua amada. Definitivamente este é um dos grandes momentos da ópera, e a cantora faz ser um dos grandes momentos da gravação. Pode-se dizer que Genaux mantém-se competente durante toda a música e consegue ser sublime em alguns momentos, estes não raros, mas em minoria.
soprano Miah Persson fica com o papel de Almirena, amada de Rinaldo. A cantora faz um papel de alto nível durante toda a ópera, mas consegue roubar a cena em duas árias específicas, que, ao ouvir, pode nos fazer pensar se ela não é a grande estrela do elenco. Na ária “Combatti da forte” (Ato 1, Cena 1), Persson nos apresenta uma excelente interpretação, com total controle sobre sua voz, executando dinâmicas com exímia precisão, fazendo um casamento perfeito com a orquestra, no entanto sempre se sobrepondo com elegância. Na famosa ária “Lascia ch’io pianga” (Ato 2, Cena 4) ouvimos uma Almirena comovente, que expressa a dor de seu momento. Um momento extremamente inspirado para Miah Persson e que nos inspira igualmente, ao emprestar sua belíssima voz a essa belíssima ária.
nga Kalna, soprano, interpreta Armida. Podemos dizer que, se Rinaldo quisesse uma esposa que cantasse bem para ele todas as manhãs, ele estaria muito bem servido, independentemente de ser Almirena ou Armida. Com a ária “Ah, crudel” (Ato 2, Cena 4) Kalna consegue que seja nutrido um sentimento de piedade pela antagonista, ao empenhar sua bela voz em uma das mais belas e comoventes árias da ópera. Em “Vo’ far guerra” (Ato 2, Cena 10) Inga, com grande competência, aflora os maus sentimentos de Armida, assim como torna visível uma Armida obscura (a personagem utiliza da magia para cumprir seus objetivos), num belo trecho em que dosa sua voz com perfeita dinâmica ao contrastar com cordas em pizzicato.
ma grande surpresa é James Rutherford, que vive Argante, um baixo dotado de bela voz que dá definitiva autoridade ao rei de Jerusalém. Sua ária “Vieni, o cara” (Ato 1, Cena 4) é profética , grandiosa e profunda, e Rutherford consegue explorar todos esses elementos com suprema maestria. No dueto com Inga Kalna, “Al trionfo del nostro furore” (Ato 3, Cena 6), sua voz aparece de maneira colorida ao contrastar com a da intérprete de Armida, e na ária “Basta che sol tu chieda” (Ato 2, Cena 4), uma das mais belas da ópera, ele garante sua coroa de louros.
contra-tenor Lawrence Zazzo, Goffredo, mantém o alto nível da ópera interpretando o comandante do exército cristão. A ele cabe o dever de interpretar 4 árias durante o desenrolar da obra. Merecem destaque “Sovra balze scoscese” (Ato 1, Cena 1) de belo colorido orquestral, ao utilizar ornamentação sugerida por William Babell (músico, cravista, que trabalhou com Handel em algumas de suas óperas), e “Sorge nel petto” (Ato 3, Cena 3), uma suave e inocente ária de contentamento. Christophe Dumaux interpreta Eustazio com diligência e não compromete em nada essa gravação de gala, e ainda nos premia com duas belas árias. Dominique Visse fecha o time, interpretando o mago cristão com a competência necessária para não manchar em nada essa Rinaldo de Jacobs.
orquestra Freiburger Barockorchester, que utiliza instrumentos autênticos, aceitou o desafio de interpretar uma das óperas de Handel com mais rica orquestração, e o colorido baixo-contínuo de Jacobs, e triunfou com pompas. Jacobs dá uma regência concisa, dosando bem a dinâmica de modo a mostrar nitidamente a ornamentação que pretende, nunca ofuscando os cantores. Sua versão é mais lenta do que quanto uma interpretação histórica exige, mas isso não compromete o conjunto e nem tira a coroa que a gravação merece. Enfim, um Rinaldo mais do que recomendado, sendo garantia de puro deleite!